A não-violência é o caminho

Quem é pró-Bolsonaro não quer ver o Brasil numa pior. Quem é pró-Haddad também não! Todos temos [ou deveríamos ter] o mesmo objetivo: contribuir com o nosso voto para um país melhor. A meta é a mesma, mas a visão de como alcançá-la é diametralmente oposta. Uns acham que seguir a trilha à direita é o caminho mais acertado. Outros abrem passagem pela trilha que aponta um pouco mais para a esquerda. Não é bem à esquerda, mas aponta mais para lá.

Ninguém vai mudar pela força o que um e outro pensa. Lembro daquelas discussões familiares, quando a gente aponta um erro no outro e ele, por sua vez, revida: “E você?”. Em meio à exacerbação da polarização política, temos que nos observar para não levar essa forma de argumentação, que cai no vazio, também para dentro das escolas, para os ambientes profissionais, para o espaço público… Alguma vez uma discussão que segue esse padrão resultou em um verdadeiro diálogo? Ou desemboca na enxurrada de acusações mútuas? Qual é o caminho que nos leva para um diálogo desarmado, em que cada um pode ter mais clareza sobre as suas próprias escolhas – sobre o direito de escolher e sobre o dever de encarar as consequências daquilo que foi escolhido?

Esses dias, resolvi comprar o livro “A Virtude da raiva”, escrito pelo neto de Gandhi, chamado Arun. Li que a raiva é um combustível muito poderoso, que quando direcionado para a criação, para a defesa do que nos enriquece como seres humanos, pode engendrar grandes movimentos, como o caminho da não-violência. Gandhi confessou para o seu neto que sentia raiva e que aprendeu como canalizá-la para a luta contra a opressão das chamadas “minorias”, pela independência da Índia. Isso demanda auto-estudo, compaixão, esforço, estratégia.

Desde que comecei a trilhar meu caminho pelo Yoga, procuro ver comportamentos que julgo equivocados pelo viés da falta de clareza. Ninguém quer ser infeliz, ninguém quer se prejudicar e sofrer… As pessoas se tornam infelizes e geram infelicidade a sua volta, pois lhes falta clareza sobre o que poderiam fazer para atingirem aquilo que cada um de nós de fato busca: a felicidade, a paz, a segurança…

Nós temos o poder, nesse momento, de fazer as nossas próprias escolhas. Ninguém irá tirar de nós esse direito, não enquanto vivermos em um regime democrático. E nós temos também um grande dever em nossa trajetória pela vida. O dever de evoluirmos como seres humanos, de crescermos eticamente. O yoga nos diz que para que possamos ter aquilo que tanto almejamos, a felicidade, precisamos caminhar pela vida seguindo valores que não excluem “o outro”, mas que nos ajudam a reconhecer a ligação entre tudo e todos. Cada vez que ferimos alguém, nos ferimos, cada vez que causamos dor, nos machucamos. Enquanto o nosso voto contribuir para promover divisões, ódio, sofrimento, violência, falhamos em nosso dever como seres humanos.

Aqui deixo uma pergunta para todos nós, a proposta de um exercício diário: como podemos canalizar toda essa paixão gerada pelas eleições para a criação de soluções criativas para o nosso país, para o mundo, independente do resultado que sairá das urnas? Como cada um de nós, individualmente e coletivamente, pode contribuir? Como a gente transforma o medo, a raiva em um combustível poderoso não só para o nosso aperfeiçoamento, mas também de nossa política? Eu me pergunto isso diariamente. Muitas vezes, sinto-me impotente, mas se não nos perguntamos, nunca vamos encontrar a resposta.

Flávia Mattar é jornalista, escritora literária e professora de Yoga e Vedanta.

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