Sempre que me deparo com a discussão sobre a política de cotas para acesso ao ensino superior no Brasil, é inevitável. Imediatamente me vem à cabeça a figura da casa grande e da senzala.
Quando ouço a defesa da meritocracia para matrícula na universidade, penso que seria perfeito se negros, pobres e índios tivessem os mesmos direitos e oportunidades de dedicar-se aos estudos.
Ao contrário, geralmente levantam muito cedo, enfrentam horas nos ônibus ou metrôs, trabalham o dia todo em atividades exaustivas, e apenas no final de um dia intenso de trabalho vão à escola pública.
Em suma, fazem um esforço enorme para estudar. Esses são os super-heróis da resistência. A maioria desiste porque não aguenta o desgaste. Com isso passam o resto da vida em sub-empregos ou em biscates e sobrevivem de forma precária.
Por isso a política de cotas é importante. Ela dá oportunidades iguais a pessoas diferentes. Não se pode mais admitir, em pleno Século XXI, que os homens negros tenham como única alternativa viver de biscates, e as mulheres negras como empregadas domésticas, como aconteceu ao longo da história. Todos merecem o empoderamento que só a Educação pode dar.
Empregos apenas aos brancos é reproduzir, de forma disfarçada, o discurso de Hitler, de valorizar a raça ariana e extinguir todas as outras da face da terra. E engana-se quem pensa que a política de cotas é uma conquista que aconteceu de uma hora para outra. Não é.
Existiu no país há mais de um século uma Frente Negra, formada por empregadas domésticas, com mais de 200 mil filiadas, que se dedicava a alfabetizá-las para que pudessem exercer a cidadania através do voto. Claro que esse partido foi extinto por Getúlio Vargas, mas a luta continuou.
Então a política de cotas permite aos negros serem coadjuvantes de sua própria história. Acabar com essa política é penalizar todos os alunos negros e pobres das escolas públicas, que mesmo estando na Universidade e tirando notas iguais ou superiores à dos não cotistas, continuam sendo vítimas de preconceito, racismo e discriminação nos campi país afora.
São olhados como cidadãos de segunda categoria, que ousaram tomar a vaga dos estudantes ricos, bem nascidos, oriundos das melhores escolas particulares. Então a presença do negro nas universidades não é uma vitória simbólica.
É real, parida a fórceps, e precisa continuar. Ou voltaremos ao passado e condenaremos ao tronco todos os que tiveram o azar de nascerem negros, num país miscigenado ao extremo.