O ensino de valores na escola 

No caminho de casa para a escola, meu filho Tiago, de 4 anos, mostra, em três situações, que seus valores começam a se consolidar. Andando pela rua, ele aponta um copo de plástico jogado na calçada, com ar de reprovação. “Mamãe, olha que feio. A pessoa que jogou esse copo não aprendeu que isso não é certo? Eu vou catar e jogar no lixo”, disse o pequeno.

Mais uns passos à frente, nos deparamos com umas fezes de cachorro no chão. O menino se espanta novamente. “Mas será possível? Quase que você pisa no cocô, mamãe. O dono do cachorro não deveria limpar esse cocô?”, perguntou indignado.

Eu respondi que o correto é o dono do cachorro andar com uma sacolinha para colocar as fezes do animal, mas que nem todos fazem isso. E contei pra ele que na semana anterior, sua irmã, Luiza, chegou atrasada no colégio porque teve que voltar em casa pra limpar o tênis que sujou de cocô. “Quando eu crescer, essas coisas não vão mais acontecer. Eu quero salvar o planeta”, arrematou.

Quase chegando na escola, Tiago resmungou quando viu dois carros entrando na contramão para fugir do engarrafamento. De tanto me ouvir falar que essa atitude não era correta, já que esses motoristas poderiam provocar acidentes, ele também reprovou o comportamento dos infratores. Fiquei feliz ao perceber que meu pequeno já tem virtudes como honestidade e respeito ao próximo.

Mas onde esses valores devem ser ensinados? Na família? Na escola? Onde meus filhos estudam, no Marista São José, essa responsabilidade é compartilhada. Eu eu acho que é um bom caminho. Um exemplo concreto foi o projeto sobre gentileza. As crianças trabalharam durante algumas semanas esse tema. A professora montou uma grande caixa de papelão, que percorreu as casas de todos os alunos. Cada um deveria levar a caixa vazia e devolver com fotos sobre atos de gentileza. Tiago passou a apontar no nosso comportamento em casa, o que era gentileza. E a brincadeira virou um grande aprendizado.

Há um consenso entre especialistas sobre a necessidade de desenvolver na escola determinadas virtudes, como justiça, generosidade, respeito, solidariedade e honestidade. Algumas instituições também incluem temas transversais, como direitos e deveres do cidadão e ética.

Para o educador Vicente Martins, um dos pontos altos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) é o reconhecimento da importância dos valores na educação escolar. Ele sugere que há quatro maneiras ou abordagens pedagógicas para ensinar valores na escola: doutrinação dos valores; clarificação dos valores; julgamento dos valores; e narração dos valores.

A abordagem pela doutrinação de valores, diz o professor, é a mais antiga das maneiras de educar os alunos em valores, através da qual a escola educa ou tenta educar o caráter dos alunos. “Tal abordagem se dá através da disciplina; do bom exemplo dos professores; do currículo que enfatiza mais as condutas do que os raciocínios, destacando as virtudes do patriotismo, do trabalho, da honestidade, do altruísmo e da coragem. A escola, através de seus professores, imprime valores no espírito dos seus educandos, através de recomendações do que considera correto, justo e ideal para a prática de valores”, afirma.

A doutrinação de valores é inspirada nas práticas de formação religiosa, uma vez que procura incutir ou inculcar nos educandos valores, crenças e atitudes particulares, com o objetivo de que não aceitem quaisquer outros, julgados errados quando seguem outra doutrina. No Brasil, durante os períodos colonial e imperial, as escolas tradicionais ensinavam valores a seus educandos, fazendo-os repetir ou decorar a moral de narrativas ou fábulas européias. Muitos docentes chegavam a utilizar a palmatória para educar em valores, corrigindo os alunos com castigo severo, quando não assimilavam ou memorizavam bem as lições de moral. No meio familiar, cabia principalmente à figura do pai o papel de doutrinador, de modo que era ele também o principal educador do filho em valores, valendo-se, não poucas vezes, da dureza da palavra ou da punição exemplar.

Segundo Vinicius, o segundo modo de desenvolver a educação em valores é através da clarificação desses valores. Consiste em os professores, num clima de não-diretividade e de neutralidade, ajudarem os alunos a clarificar, assumir e pôr em prática os seus próprios valores.

Na prática escolar, o professor pode utilizar uma atividade simples, como a votação de valores, que se dá, por exemplo, através da atividade de leitura, em voz alta, de uma a uma, de questões que começam pela expressão “Quantos de vocês… (a) …. pensam que há momentos em que a cola se justifica?, (b) …. lêem em primeiro lugar, no jornal de domingo, a página de novelas e fofocas?, (c) … acham a prática do aborto um direito da mulher?, (d) … aprovam relações sexuais antes do casamento?”, e os alunos respondem levantando as mãos. Um aspecto positivo dessa abordagem é que ela ajuda os alunos a pensarem sobre valores e fazerem a ligação entre os valores que defendem (“A prática da cola é errada.”) e a ação desenvolvida ou a desenvolver (“O que tenho feito para combater a prática da cola clandestina?”). Um aspecto negativo é que a referida abordagem pode vir a confundir questões triviais (fofocas) com questões éticas (o aborto, ato praticado contra o direito à vida) importantes. Para o trabalho com esta metodologia, caberá ao professor, desde logo, estabelecer a diferença entre o que o aluno gosta de fazer (colar durante a avaliação escolar, por exemplo) e o que deve fazer (respeitar o regimento da escola ou as condições estabelecidas pelo professor para a aplicação de uma prova), aponta Vinicius.

O terceiro modo de desenvolver os valores na escola é através da abordagem pela opinião ou pelo julgamento dos valores. Consiste em a escola acentuar os componentes cognitivos da moralidade. A abordagem pelo julgamento de valores defende que existem princípios universais (Tolerância Recíproca, Liberdade, Solidariedade e Justiça, o mais forte deles) que constituem os critérios da avaliação moral ou do juízo de valor.

Essa abordagem propõe que a educação moral se centre na discussão de dilemas morais em contexto de sala de aula, sem levar em conta, no entanto, as diferenças de sexo, de raça, de classe social e de cultura, concentrando-se, unicamente, na atribuição de significados que as pessoas dão às suas experiências ou vivências morais.

O quarto modo de ensinar os valores na escola baseia-se nas narrativas ou nas expressões orais ou escritas dos educandos. Essa abordagem centra-se nas histórias pessoais ou coletivas, nas quais os alunos contam, através de textos orais ou escritos, em sala de aula, seus conflitos e suas escolhas morais. A abordagem pela narração envolve as três dimensões da educação em valores: a cognição, a emoção e a motivação.

A abordagem pela narração ou narrativa reconhece que, na diversidade cultural, é comum o ato de contar histórias por parte das pessoas com o objetivo de transmitir valores de gerações mais velhas para as mais novas. Assim, o papel das histórias e das narrativas, ou seja, das práticas de leitura de textos escolares, nomeadamente os textos literários, é muito importante na formação dos valores nos alunos.

Nessa abordagem, as pessoas desenvolvem-se moralmente, tornando-se autores das suas histórias morais, e aprenderão, de forma consciente, as lições morais em que contam as suas experiências.

A abordagem pela narração centra-se nas experiências reais das pessoas, nos seus conflitos e nas escolhas pessoais. “A abordagem favorece o pensar, o sentir e o fazer sobre temas transversais, extraídos do cotidiano dos alunos”, destaca Vinicius.

 

 

 

 

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *