A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola. A educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica, em defesa do direito de todos os estudantes de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação.
Ao reconhecer as dificuldades da educação inclusiva, surge a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá-las, esta assume espaço central no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os estudantes tenham suas especificidades atendidas.
Sendo assim, o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão e elabora a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas sociais, visando constituir políticas públicas que promovam uma educação de qualidade para todos os estudantes.
A escola no Brasil caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões da escola. Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado características comuns nos processos de segregação e integração, que pressupõem a seleção, naturalizando o fracasso escolar.
A partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos, decorre uma identificação dos mecanismos e processos de hierarquização que operam na regulação e produção das desigualdades. Essa problematização explicita os processos normativos de distinção dos estudantes em razão de características intelectuais, físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estruturantes do modelo tradicional de educação escolar.
A educação especial se organizou tradicionalmente como atendimento educacional especializado substitutivo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que levaram à criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina formas de atendimento clínico-terapêuticos fortemente ancorados nos testes psicométricos que, por meio de diagnósticos, definem as práticas escolares para os estudantes com deficiência.
O atendimento as pessoas com deficiência no Brasil, teve início no período do Império, com a criação de duas instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento educacional especializado às pessoas com superdotação na Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff.
Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei no 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino.
A Lei no 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao definir “tratamento especial” para os estudantes com “deficiências físicas, mentais, os que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e acaba reforçando o encaminhamento dos estudantes para as classes e escolas especiais.
Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado.
Nesse período, não se efetiva uma política pública de acesso universal à educação, permanecendo a concepção de “políticas especiais” para tratar da educação de estudantes com deficiência. No que se refere aos estudantes com superdotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organizado um atendimento especializado que considere as suas singularidades de aprendizagem.
A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3o, inciso IV). Define, no artigo 205, a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu artigo 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o ensino e garante como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei no 8.069/90, no artigo 55, reforça os dispositivos legais supracitados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”. Também nessa década, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação inclusiva.
Em 1994, é publicada a política Nacional de Educação Especial, orientando o processo de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino regular àqueles que “(…) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os estudantes ditos normais” (p.19).
Ao reafirmar os pressupostos construídos a partir de padrões homogêneos de participação e aprendizagem, a Política de 1994 não provoca uma reformulação das práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum, mas mantém a responsabilidade da educação desses estudantes exclusivamente no âmbito da educação especial.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas de ensino devem assegurar aos estudantes currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades; assegura a terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; e assegura a aceleração de estudos aos superdotados para conclusão do programa escolar. Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[…] oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37).
Em 1999, o Decreto no 3.298, que regulamenta a Lei no 7.853/89, ao dispor sobre a política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a educação especial como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação complementar da educação especial ao ensino regular.
Acompanhando o processo de mudança, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB no 2/2001, no artigo 2o, determinam que:
“Os sistemas de ensino devem matricular todos os estudantes, cabendo às escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001).”