O governo federal sancionou, na segunda (15/1), a Lei 4.224/21, que insere o bullying e o cyberbullying no Código Penal brasileiro. A partir de agora, também passam a ser obrigatórias medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nas escolas.
O texto define o bullying como “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente”. A penalidade para essa modalidade é de multa com possibilidade de agravamento se a agressão for mais grave.
O cyberbullying possui a mesma definição, porém o diferencial está na maneira com que ele é praticado, realizado pela “rede social, aplicativos, jogos on-line ou qualquer outro meio digital”. A pena prevista é de dois a quatro anos de detenção mais multa.
A nova lei também estabelece que instituições educacionais ou similares tenham de adotar medidas de prevenção aos crimes.
Para a psicóloga clínica Adriana Cavalcante dos Santos (CRP 05/18849), que é especialista em luto, suicidologia e cuidados paliativos, a lei não necessariamente irá acabar ou minimizar uma série de preconceitos, como por exemplo o racismo, a homofobia, a agressão às mulheres e tantas outras.
“Ter uma lei que pense na diminuição do bullying nas escolas, nas ruas e na sociedade como um todo é uma ideia excelente, mas provavelmente pouco efeito terá na sociedade. Sem querer pessimista, mas pensando na realidade dos pacientes que atendo. Mais do que uma lei deveria, antes disso, ter uma conscientização na sociedade e nas escolas. Normalmente a criança não tem preconceito. Ela repete conceitos e preconceitos que escuta em família”, comenta a psicóloga.
Adriana conta que atende vários casos de pessoas que tiveram a ideação suicida (o pensamento em morrer por suicídio) por conta de bullying que sofreram nas escolas e nos ambientes em que vivem.
“Tudo que ouvimos e guardamos pode ser muito grave. O que não explodimos em palavras (quando somos agredidos verbalmente) pode ser guardado e mais para frente se tornar uma implosão: a pessoa vive uma crise existencial de tal monta que pode levá-la à ideia de que a única saída é o suicídio”, acrescenta.
A especialista ilustrou o caso de um paciente cuja intervenção impediu um desfecho trágico.
“Maria (nome fictício) sofreu muito bullying na infância por ser obesa. Aguentou muita coisa calada por não saber como se defender e porque acabou achando que realmente era inferior por não ter o peso que “esperavam” que ela tivesse. Quando a jovem entrou para a faculdade, já tinha 22 anos de idade, e teve as mesmas sensações de discriminação sofrida lá na infância e adolescência. Ela não conseguia mais ir para a faculdade. Tinha crises de ansiedade e de choro. E numa consulta disse que a única saída que via para o que estava sentindo era se matar. Trabalhamos muito em terapia sobre outras saídas para o que estava sentindo. Fizemos uma reunião familiar e juntos chegamos à conclusão que ela deveria trancar aquele período da faculdade e mudar de universidade”, explicou. .
Adriana concluiu: “uma coisa que começou lá na infância e adolescência culminou em algo muito grave na vida adulta. O que poderia ter se tornado um suicídio”.
A profissional acredita que é preciso ter bastante maturidade em relação a esse assunto e levar para discussão em várias instâncias: pertence à saúde, à educação, à assistência social e etc. Só uma lei não é suficiente.