As escolas públicas e particulares de todo o país começam o ano de 2020 com um desafio: implementar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas salas de aula para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. O documento define o que deve ser aprendido em cada etapa da vida escolar. Em 2022, será a vez do Ensino Médio.
A BNCC foi aprovada em dezembro de 2017 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Referência para a construção dos currículos de todas as instituições de ensino, foi elaborada com a participação de especialistas e estabelece como pilares 10 competências gerais que vão nortear o trabalho das escolas e dos professores em todos os anos e componentes curriculares da educação básica, segundo o Ministério da Educação. Esses pilares são um fio condutor e não uma regra rígida, logo a escola terá autonomia para adaptar essas competências à sua própria realidade.
Veja quais são os pilares que versam sobre habilidades socioemocionais, consciência cidadã e até uso dos meios digitais:
1. Conhecimento
2. Pensamentos científico, crítico e criativo
3. Repertório cultural
4. Comunicação
5. Cultura digital
6. Trabalho e projeto de vida
7. Argumentação
8. Autoconhecimento e autocuidado
9. Empatia e cooperação
10. Responsabilidade e cidadania
Adaptação
As escolas tiveram um período de transição para se adaptar às mudanças. Um exemplo de novidade introduzida no currículo de algumas escolas antes de o documento entrar em vigor é o ensino de Educação Financeira. Essas aulas têm o objetivo de transmitir consciência sobre o consumo e a construção de uma base equilibrada na relação com o dinheiro na vida adulta.
O Colégio Martinsinho Vila Isabel, na Zona Norte do Rio, por exemplo, realizou ações lúdicas no decorrer de 2019 para introduzir o tema na Educação Infantil. Em uma das atividades, alunos do Pré II fizeram pulseiras artesanais e depois venderam para os familiares. Eles tiveram que lidar com situações como aprender a dar troco e calcular o valor do custo e do lucro.
Repertório cultural
A BNCC aponta que a grade curricular deve ir além das disciplinas tradicionais, como matemática, português e ciências. Dentro do pilar de Repertório Cultural, é possível explorar o conteúdo de história da arte, mostrando o que está por trás disso, como contexto literário, características dos artistas, oficinas de leitura com adoção de livros paradidáticos durante o ano.
A diretora da Escola Municipal Leonor Posada, Fatima Netto, conta que a unidade, localizada em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio, já está adaptada à BNCC porque a equipe pedagógica trabalha por meio de projetos. Um deles é o literário, por meio da parceria com escritores.
A autora Isa Colli tem vários de seus livros adotados pelo colégio e faz questão de participar pessoalmente da culminância dos projetos. “É uma experiência muita rica, tanto para mim como para os professores e alunos. Eles são incríveis. No trabalho feito com “Luke, o macaco atleta”, que fala sobreobesidade infantil e alimentação saudável, eles criaram um tabuleiro gigante, simulando o jogo que vem no final do livro chamado Trilha dos Hábitos Saudáveis. E esse é só um exemplo”, diz Isa.
Fatima Netto ressalta que todo trabalho é feito com base no diálogo com a equipe pedagógica. “O fato de nos pautarmos pelos projetos é um facilitador para trabalhar os eixos da BNCC. No caso dos livros da Isa Colli, pegamos um tema, como exemplo o meio ambiente, que vem de encontro à sustentabilidade, que é o projeto da prefeitura. Então, o que a nossa escola faz? Engloba tudo isso e os conteúdos vêm desse trabalho todo”, destaca a educadora.
A escola também trabalhou o empreendedorismo, com o livro “A Fazendinha”, que mostra a necessidade de aproximação das zonas urbanas das rurais, com foco no cultivo de alimentos saudáveis sem uso de agrotóxicos.
Outra escola, o Sesi Canaã, de Goiás, foi bem sucedida na missão de integrar a literatura às diretrizes da BNCC, por meio dos livros de Isa Colli. O colégio criou um projeto com base na história de “Vivene e Florine em o Pirulito das Abelhas”. “Lá, as crianças desenvolveram ‘O pequeno Chef’, prepararam pirulitos saudáveis, estimulando o trabalho em equipe, e depois venderam os pirulitos, trabalhando troco, cartão de crédito e noções de transações bancárias”, lembra Isa.
Dificuldade de adaptação
Um dos desafios da BNCC é adequar diretrizes comuns às diferentes realidades do Brasil. Alguns professores e gestores têm relatado que, na prática, há uma dificuldade de alinhar a BNCC à rotina escolar. Fatima Netto avalia que serão necessários cursos e capacitações para os profissionais. “Isso é importante. A prefeitura do Rio já está fazendo. Essa mudança precisa acontecer, deve começar de cima para baixo, nas universidades e nos cursos de formação, o professor precisa aprender como trabalhar integrando”, ressalta.
A educadora Raphaela Barros, que atua como coach educacional, gestora escolar e professora da rede municipal de ensino, avalia que a dificuldade encontrada seja mediante o novo, a unificar o ensino e a ter atitudes diversificadas, voltadas para as vivências dos alunos, trabalhando com as habilidades e competências dos educandos. “É uma proposta interessante, mas o novo implica desconforto. Acredito, no entanto, que é um começo para a reforma educacional”, acrescenta.
Raphaela diz que, na escola municipal onde trabalha, a equipe segue as diretrizes da SME, porém com a proposta pedagógica específica da escola. “Nossas atividades são voltadas para os campos de experiência, respeitando a localidade, desenvolvendo um trabalho socioemocional, incluindo autoestima, autoconhecimento, valores e princípios atrelados aos objetivos pedagógicos”, pontua.
Raphaela acredita que é preciso esclarecer melhor a BNCC e mostrar o que ela representa e os benefícios, que não são automáticos. “Vamos plantar as sementes e regar para depois frutificar. É apostar com embasamento e amor, para fazer acontecer”, conclui a educadora.