Talvez hoje ao ler este artigo, você estranhe por não me reportar aos temas habituais sobre crianças, educação parental, pedagogia e aprendizagem.
Hoje quero apresentar – para quem ainda não conhece – uma terra de encantos e beleza, consagrada pela cultura poética de seus filhos; uma cidade que nem mesmo as tragédias ambientais, políticas e culturais conseguem ofuscar o seu brilho e riqueza. Uma cidade agraciada pela exuberância da natureza.
Eu vos apresento Cachoeiro de Itapemirim. Terra cheia de contos espalhados por suas largas ruas, pelas belas e antigas construções, narrados pelos idosos que se sentam nas pracinhas para uma partida de dominó e pelas crianças que frequentam a escola: cada morador tem uma história para contar e que todos precisam conhecer. O que seria do mundo sem os contadores de histórias?
Cachoeiro é uma cidade localizada entre vales e montanhas, cortada pelo rio que deu origem ao seu nome. Flúmen, que agora volta à vida com a chegada abençoada das águas límpidas, que hoje \”lavam a tristeza\” deixada pelo momento inesperado da última enchente. Ainda pode-se sentir um arrepio e o grito estridente das águas ecoando pelas avenidas e o choro estampado no rosto do povo.
É difícil falar de Cachoeiro e não citar o seu povo, seus orgulhosos habitantes, gente de bem. Esta terra é berço de artistas, cantores, escritores, compositores… uma cidade que inspira e respira poesia. E, por falar em poesia, falar de Cachoeiro é citar um de seus filhos mais ilustres, Raul Sampaio, afinal, quem nunca – ao sentir saudade – não declamou aquela frase: “Meu pequeno Cachoeiro, vivo só pensando em ti, ai que saudade dessas terras, entre as serras…”? Essa expressão genial ganhou o mundo na voz do rei Roberto Carlos, outro ilustre cachoeirense, que dispensa qualquer comentário. E se você acha que a poesia em Cachoeiro se finda por aqui é porque nunca andou por essas ruas – talvez nunca tenha apreciado um cafezinho no Mourad\’s, na tradicional Praça Jerônimo Monteiro, local recheado de artistas da Terra.
Os filhos desse chão são grandes e de todos os tipos. Um exemplo é “Dona Maria” minha mãe, capixaba arretada, religiosa – que lá na sua comunidade encanta os vizinhos com sua alegria e alma doadora. Há também os que ficarão para sempre em nossa memória, como o querido senhor Avelino Lacerda, falecido recentemente. Ele tinha um sítio lá para as bandas do Alto Moitão do Sul, Atílio Vivácqua, e que todos os dias, ao nascer do sol, se levantava com a mesma certeza de que teria mais um dia abençoado por Deus.
Isso sem contar os grandes compositores, poetas, escritores, cantores e artesãos que brotam em cada esquina. Aqui vou representá-los na pessoa de Rubem Braga – que colore a saudade com apenas um lápis de cor – na poesia Despedida, quando diz “é permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades…”.
Eu gosto de falar dessas pessoas, de gente que senta no batente da calçada \”de tardezinha\” para tomar uma xícara de café, proseando com o vizinho sobre os mais variados assuntos, do jogo de futebol das crianças às agruras políticas do país. O povo de Cachoeiro é assim: “vai de um canto a outro sem levantar do batente”. Eu tive o prazer de viver ali.
Cachoeiro é uma cidade hospitaleira num cantinho escolhido por Deus, no Espírito Santo. E apesar de sua história ser muito bem contada, hoje eu quis mostrar o vilarejo pela ótica de quem vem de fora e escolhe essa terra para morar, meu caso há muitos anos atrás.
Se bem que eu não escolhi Cachoeiro, na verdade foi Cachoeiro que me escolheu, assim como tantas outras cidades por onde passei. Aos filhos de berço, eu faço um pedido: respeitem essa terra. Entendam que para que as coisas aconteçam, o povo precisa lutar – nada surgirá apenas da boa vontade. Mas, cachoeirense é gente que tem um histórico de luta, de garra e de solidariedade, que precisa ser mantido. Respeitem este patrimônio – seja ele histórico ou natural e, principalmente, respeitem uns aos outros, os que vêm de fora, os de dentro, os que vêm para ficar ou a passeio…
Nossa gente, digo nossa, porque me sinto metade cachoeirense também, tem muito para mostrar e a cidade muito a oferecer. E se você ainda não conhece, creio que chegou a hora.