De olho no emocional das crianças: escola e família precisam atuar em sintonia

Se os adultos andam estressados com o prolongamento e as incertezas da pandemia, imagine as crianças. Muitas delas não estão sabendo como lidar com as angústias e desafios de alternar o ensino remoto com o presencial.

A dica para os pais é que fiquem atentos ao comportamento e ao emocional dos seus filhos. Alguns sinalizam que estão com dificuldades e pedem ajuda. Outros não conseguem se expressar e acabam somatizando sentimentos que podem levar até à depressão.

Eu mesma vivenciei uma situação delicada com meu filho Tiago, de 7 anos. No último sábado, ele me abraçou aos prantos e me pediu ajuda. Disse que não estava conseguindo copiar as matérias do quadro no mesmo tempo dos amigos e que sempre era o último a acabar. Eu fiquei muito preocupada com o desespero dele. Na nossa conversa, expliquei que cada um tem o seu próprio tempo para fazer as coisas – uns são mais rápidos e outros mais lentos -, mas que isso não era um defeito. Disse também a ele que todos temos medos e ansiedades, inclusive os adultos, e que eu ia conversar com a professora para ver como ela poderia nos ajudar. E nós decidimos que iríamos treinar a escrita em casa. Já começamos neste fim de semana e ele está mais calmo e seguro. A nossa conversa foi fundamental.

A professora Fabiane Martins, do Colégio Andrews, na Zona Sul do Rio de Janeiro, lembra que vivenciamos um momento difícil, de muitas incertezas, e as pessoas estão com os sentimentos à flor da pele. “Está todo mundo tão envolvido nas suas angústias, que isso vai gerando um nível de estresse, de impaciência, de você não ter tempo para dar conta da sua responsabilidade e você acaba não tendo tempo para um olhar cuidadoso, afetuoso e solidário com o outro”, afirma.

Momento de escuta

A educadora alerta que tantos os responsáveis, como os educadores, têm responsabilidades nesse processo.

“Os pais ou responsáveis precisam criar momentos dentro da rotina da casa para conversar. Estipular um horário é legal. Falar do que sente, como foi o dia, mas sem cobrança, sem interrogatório, com uma abordagem mais leve e serena. É um momento para que a família possa se ouvir, desabafar. A gente não está criando esses espaços para conversar sobre os sentimentos”, diz.

Fabiane também aconselha os professores a procurar desacelerar e fazer o conteúdo da aula acontecer de maneira mais tranquila. “O planejamento é flexível. Se naquela aula eu programei cinco coisas, mas estou vendo que o tempo do grupo está mais devagar e não vai dar para fazer as cinco coisas, que eu conclua três, mas num tempo que não seja angustiante para todos, que não crie sofrimento, mas sim um espaço de aprendizagem bacana, saudável para todos”, completa.

Parceria que constrói

A pedagoga Raphaela Barros, especialista em Orientação Educacional, escritora e professora da rede municipal de Ensino do RJ, ressalta que a escola não faz milagre e sozinha não pode mudar nada. “A família faz parte de toda a transformação! Aquela ideia de que eu pago pela escola, pelo serviço e não contribuo é um caminho ao abismo no desenvolvimento da criança”, enfatiza.

Raphaela está montando um projeto que surgiu com as dificuldades do filho de seis anos, Samuel, com a alfabetização. A professora levou a experiência da sala de aula para sua própria casa. “Criei recursos fáceis, que podem ser mediados por pessoas dispostas a ajudar seus filhos”, conta.

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A professora Raphaela Barros criou recursos para alfabetizar o próprio filho na pandemia

A pedagoga usa ilustrações, trabalhos com letrinhas, cola colorida e recortes para ajudar no processo de letramento. Em pouco tempo, Samuel ficou mais seguro e feliz. Agora Raphaela partilha esse conhecimento. Ela criou inclusive um canal no YouTube para disponibilizar as explicações em vídeo.

Para Fabiane Martins, esse é um momento em que, mais do que nunca, a orientação educacional precisa ter um trabalho ativo nas turmas com os alunos. “Esse tempo é rico e a escola tem que saber aproveitar o momento para deixar que as crianças tragam o que estão sentindo, como estão percebendo essa dinâmica atual, que é muito diferente do que a gente viveu no ano passado porque era totalmente virtual. O sistema híbrido realmente angustia porque precisa haver sincronia entre o tempo do presencial e do virtual. Então tem que criar um momento com os alunos para que eles possam colocar os sentimentos. Ouvi-los e minimizar essas angústias”, conclui a professora.

*Tais Faccioli é jornalista e escritora

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